Uma das principais apostas hoje para a descarbonização das economias ao redor do mundo é o uso de energias consideradas “verdes”, menos poluentes, vindas de fontes renováveis. Entre elas, o chamado hidrogênio verde (H2V), um combustível que tem potencial de substituir energia de combustíveis fósseis em transporte e produção de indústrias.
Segundo cálculo da consultoria BCG, a expectativa é que sejam necessários entre US$ 6 trilhões a US$ 12 trilhões entre 2025 e 2050 para atender a demanda de governos e companhias que se comprometem com a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE). O valor, que consta no estudo Building the Green Hydrogen Economy, se refere ao dinheiro necessário para construção de infraestrutura de produção (o processo é chamado de hidrólise e exige uma alta carga de energia elétrica), armazenamento e transporte. O relatório focao especificamente nas perspectivas do mercado de hidrogênio verde no Brasil e no mundo.
A demanda estimada por hidrogênio como fonte de energia é de aproximadamente 350 milhões a 530 milhões de toneladas por ano até 2050, de acordo com o estudo. Hoje a demanda por hidrogênio é baixa, de 94 milhões de toneladas em 2021, e a maior parte é produzida a partir de fontes fósseis, geralmente gás natural. Ou seja, é esperado que a demanda se multiplique por 3,5 vezes a 5,3 vezes em 25 anos, sendo que esse valor vai ser determinado pelo apetite do mercado.
“O Brasil pode se destacar no mercado de hidrogênio verde e almejar um protagonismo em mercados externos, produzindo cerca de 15 milhões de toneladas de H2V e suprindo as necessidades da Europa e Ásia. Mas, para isso, governos e empresas precisam se mover rapidamente”, completa Ricardo Pierozzi, sócio do BCG dedicado a novas fronteiras em energia renovável, no estudo.
Para Arthur Ramos, diretor executivo e sócio do BCG, “se quisermos atingir as metas do Acordo de Paris, teremos de investir até 2030 algo em torno de US$ 300 a US$ 700 bilhões em infraestrutura”, se referindo ao global.
Ele detalha que grande parte dos investimentos - mais da metade pelo menos - é custo de energia elétrica para fazer a separação das moléculas no processo que libera o hidrogênio, uma vez que a água, a matéria-prima principal do H2V, é hoje gratuita no Brasil. Neste ponto, o Brasil tem uma grande vantagem competitiva, por já ter uma fonte de energia majoritariamente vinda de renováveis. Para que seja considerado “verde”, o hidrogênio precisa ser produzido com energia elétrica renovável. E o Brasil tem 85% de sua matriz limpa, considerando hidrelétricas, eólicas, solares e biomassa.
“Temos potencial de chegar a 100% da matriz energética renovável; isso é um grande diferencial competitivo”, diz Ramos ao Prática ESG. “Nossa visão é que isso traz competitividade para o Brasil, especialmente em indústrias exportadoras para o mercado europeu, que vai exigir cada vez mais produtos menos poluentes.”
São poucos os países no mundo que têm condições para se tornar uma potência no mercado de energias verdes, sendo Brasil, Austrália e Chile alguns dos exemplos. Por aqui, o perfil e constância dos ventos, a área territorial, a incidência solar e também a vocação para energia renovável torna o Brasil um dos mais atrativos. Não à toa, países como a Alemanha, que vem sendo pressionada para diminuir suas emissões, têm investido em projetos no Brasil para desenvolver alternativas energéticas aqui. O mercado de hidrogênio verde é uma das principais frentes.
A GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit), empresa especializada em projetos de cooperação técnica e desenvolvimento sustentável, em parceria com o Ministério de Minas e Energia (MME) começou, em 2021 o projeto H2Brasil. O programa prevê investimentos totais de 34 milhões de euros para apoiar a expansão do mercado de hidrogênio verde no Brasil, montante financiado pelo Ministério Federal da Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha.
Segundo Markus Francke, diretor do projeto H2Brasil, o objetivo é apoiar a expansão do mercado de hidrogênio verde no país. “É um projeto de grande importância para a Alemanha. Ele tem várias frentes de trabalho, mas o grande tema é o desenvolvimento do mercado de hidrogênio verde”, diz.
As frentes de atuação principais, explica, são fomento à pesquisa, troca de informações entre universidades brasileiras e alemãs, promoção de projetos de inovação e novas tecnologias, estudos de certificação e regulamentação com foco no H2V, além da promoção de cursos de capacitação profissional, construção e compra de equipamentos para laboratórios de pesquisa em aplicação de hidrogênio e combustíveis sustentáveis e parcerias entre empresas e indústrias.
“Estamos finalizando estudos que vão potencializar o mercado de hidrogênio verde em diferentes Estados brasileiros e apontar o necessário para ser usado por indústrias. Temos parceria hoje com 20 universidades no Brasil e Alemanha, responsáveis por estudos e também pesquisas para produção de hidrogênio verde de diferentes tipos e com diferentes matérias-primas”, conta ao Prática ESG.
Francke destaca os projetos com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis (SC), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no Rio, e a UNIFEI em Itajubá (MG).
Em Santa Catarina, o foco é a produção de H2V para aplicações industriais, armazenamento de energia, eletromobilidade e descarbonização da Amazônia (Amônia e Agro-Fotovoltaica). O projeto tem orçamento de 2,3 milhões de euros destinado à construção de um laboratório de cinco andares para a produção e utilização de hidrogênio verde e derivados.
Na UFRJ, a ideia é estudar a compressão, o armazenamento e aplicações de hidrogênio para a mobilidade urbana com célula de combustível. Os 1,2 milhão de euros previstos contemplam também a construção de um laboratório com os equipamentos para a produção de hidrogênio verde que será testado com células de combustíveis de óxido sólido (SOFC). A pesquisa ainda abrange uma avaliação da viabilidade técnica e econômica da reforma do bioetanol visando a utilização em larga escala.
Já na UNIFEI em Itajubá-MG, o projeto já está em desenvolvimento desde março de 2022 e tem o objetivo de implantar um Centro de Hidrogênio Verde, uma unidade mesmo de produção e armazenamento em escala do produto para servir de laboratório de pesquisa e demonstração do processo. São 300 kW de potência instalada e produção de 60 Nm³/h em uma área de 800 m² de instalações.
“Além das aplicações tradicionais de H2V e derivados, o mercado ainda está experimentando a viabilidade de novas aplicações concretas para a descarbonização da economia. Por exemplo, temos potencial na mobilidade desde bicicletas a hidrogênio, ônibus, caminhões, veículos pesados e trens, e até aviões”, comenta Franck. “A área de pesquisa e desenvolvimento desempenha uma função essencial para testar soluções para estes desafios.”
No relatório, o BCG detalha que o hidrogênio verde é uma boa alternativa para segmentos que têm dificuldade de baixar sua pegada de carbono, como transportes e uso industrial (cimento, siderurgia, mineração, entre outros). Também pode ser usado para fazer fertilizantes verdes e componentes de amônia e etanol. Até a aviação comercial pode se beneficiar do produto como alternativa de combustível.
Investimentos
Os grandes desafios hoje para a disseminação da tecnologia são a redução de custos e a eficiência energética. “Diante das metas mundiais de descarbonização, vemos um novo impulso à essa indústria, com países estabelecendo estratégias nacionais para investimento nesse segmento. Entendemos que estes incentivos acelerarão a curva de experiência e ganhos de escala, viabilizando oferta em uma área de altas expectativas para a redução de emissões futuras”, aponta Ramos, do BCG. Hoje, a produção de hidrogênio verde custa, em média, o dobro da geração do hidrogênio cinza.
Outros investimentos devem ser feitos em transporte e armazenamento, uma vez que o H2V em si é inflamável e corrosivo, não é uma commodity simples de exportar, por exemplo. Uma solução é transformá-lo em “amônia verde”, forma que pode ser de novo convertida em H2V facilmente e é mais maleável para locomoção de grandes distâncias, por navio, por exemplo.
Para uso doméstico, estuda-se rede de tubulações que liguem diretamente a geração do combustível às plantas industriais.
Na pesquisa, o BCG aponta que os investimentos em infraestrutura chegaram a gerar um retorno de 7,36% durante o período de 2022 no mundo, mesmo em um momento desafiador para a economia global, com aumento da inflação e implicações geopolíticas relacionadas à invasão da Ucrânia.
“Empresas que investiram em energia eólica e solar no início de 2010 relatam taxas de retorno mais altas do que aquelas que fizeram o mesmo na década seguinte. Historicamente, os primeiros investidores têm melhores resultados – este é o momento para o hidrogênio de baixo carbono”, reitera Ramos. Mas ressalta que o ambiente é dinâmico e exige abordagens inovadoras.
Hoje, globalmente, investidores têm ativos de US$ 1,1 trilhão nas áreas de energia, meio ambiente, transporte e logística, infraestrutura digital e social, de acordo com o BGC. O executivo lembra que é preciso, porém, que haja um incentivo claro do governo brasileiro para que empresas e investidores direcionem mais recursos para a temática aqui no país.
“Sou contra subsídios, mas incentivos inteligentes têm benefícios climáticos e podem acelerar uma cadeia nova de energia. A cadeia de suprimentos precisa ser incentivada”, diz Ramos, lembrando que o governo americano saiu na frente com a aprovação do The Inflation Reduction Act, programa bilionário que vai destinar bilhões de dólares para o desenvolvimento de uma economia verde.
Fonte: Valor Econômico