O custo do frete marítimo arrefeceu em setembro, mas 84% das indústrias brasileiras importadoras relatam ter sido muito ou altamente afetadas pelos gargalos da logística global, enquanto apenas 2% disseram não ter sido nada afetadas. Entre as indústrias exportadoras, 79% relataram ter sido muito ou altamente afetadas, e 8% não foram afetadas. Os dados são da Consulta Empresarial: Logística Internacional, feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), à qual o Estadão teve acesso.
Como esperado, o aumento dos preços do frete marítimo foi o problema mais citado pelos entrevistados na consulta – foram ouvidos representantes de 465 empresas da indústria de transformação, entre o fim de maio e o início de junho –, mas, conforme a gerente de Comércio e Integração Internacional da CNI, Constanza Negri, as respostas apontam também para impactos em cadeia.
Em setembro, o custo médio do frete marítimo para a importação na rota entre a Ásia e o Brasil, importante para o abastecimento de insumos para a indústria, ficou em US$ 7.000 por contêiner de 40 pés (dimensões aproximadas de 12 metros por 2,5 metros), conforme dados da consultoria Solve Shipping compilados pela CNI. É uma queda de 33,6% ante a média de agosto, mas, ainda assim, 3,4 vezes acima dos valores de janeiro de 2020, antes de a covid-19 se abater sobre a economia global. Já o preço médio do frete de exportação na rota entre o Brasil e a Costa Leste dos Estados Unidos está estável em US$ 10.600 por contêiner de 40 pés desde julho, 8,5 vezes mais do que o valor médio de janeiro de 2020.
Segundo a consulta da CNI sobre a percepção das empresas, o principal problema relatado pelas indústrias foi a elevação do preço do frete. Entre as empresas importadoras, 95% citaram o aumento do valor do frete na lista dos principais problemas. Entre as indústrias exportadoras, 92% citaram os preços em alta. A falta de contêineres e de espaço nos navios, uma das causas do aumento dos preços, também figuram entre os problemas mais citados.
Pandemia
Os preços do frete marítimo começaram a disparar no segundo semestre de 2020. Tudo por causa de gargalos logísticos surgidos em meio à retomada desequilibrada da economia global, após ter atingido o fundo do poço, no segundo trimestre daquele ano, com as paralisações por causa da covid-19. O problema contribui para o encarecimento e a escassez de componentes da indústria, como os semicondutores, atrapalhando a produção e encarecendo de geladeiras e fogões a automóveis. O problema é global.
Os gargalos começaram com as restrições ao contato social nas operações de portos e navios. Na retomada, com restrições ainda em vigor, a demanda por bens voltou mais rapidamente do que o esperado – turbinada por políticas de transferência de renda e pelo fato de que, no isolamento, consumidores passaram a gastar mais com produtos do que com serviços. Isso levou a uma corrida pelos serviços de transporte, pressionando a capacidade de portos, armazéns, navios e contêineres. O desequilíbrio entre demanda pelo transporte e oferta de capacidade fez os preços explodir.
As operadoras globais – as quatro maiores companhias, a ítalo-suíça MSC, a dinamarquesa A.P. Møller-Maersk, a francesa CMA CGM e a chinesa Cosco Shipping, respondem por quase 60% do mercado, segundo a Alphaliner, base de dados do setor – encomendaram mais navios, para ampliar a capacidade de transporte. Só que a construção de um navio leva anos. O presidente para a América Latina e o Caribe da A.P. Møller-Maersk, Robbert van Trooijen, disse ao Estadão em fevereiro que as novas embarcações deverão de fato ampliar a capacidade apenas a partir de 2024.
Problemas recentes
Os gargalos têm demorado para se dissipar por causa disso e de novos problemas surgidos neste ano. Quando o quadro parecia que iria melhorar, a guerra na Ucrânia e a política de “covid zero” na China voltaram a agravar os gargalos. A China teve lockdowns rigorosos em abril e maio, atingindo até mesmo a região de Xangai, afetando novamente as operações dos portos chineses. Já o conflito no Leste Europeu fez saltar as cotações do petróleo, encarecendo o combustível usado pelos navios, o bunker.
Com a demora para os gargalos se dissiparem, Negri, gerente da CNI, destacou como impactos de segunda ordem que foram citados na consulta o cancelamento de embarques, a suspensão de determinadas rotas marítimas e cobranças adicionais. Ou seja, os problemas vão além da elevação de custos, afetando produção e vendas e dificultando o crescimento das atividades.
“Há um claro sinal nessa consulta de que os efeitos são conjunturais, externos, mas não estão durando pouco tempo e, do ponto de vista do impacto, não é isolado. Começa a haver impactos mais profundos nas operações”, disse Negri.
Conforme a consulta da CNI, entre as indústrias importadoras, 69% citaram o cancelamento de embarques programados e 57% mencionaram a cobrança adicional por sobre-estadia de contêineres na lista de principais problemas. Já entre os exportadores, esses dois problemas foram citados por 76% e 51% dos entrevistados. O problema da suspensão de rotas ou escalas semanais foi citado ainda por 58% das indústrias exportadoras.
Os gargalos logísticos afetam sobretudo o transporte via contêineres, usado para carregar manufaturados ou produtos agropecuários específicos, como frutas e carnes. Por isso, para o Brasil, o impacto econômico é maior na importação de bens e insumos industriais. Com as cadeias de produção integradas, a indústria depende de importar componentes, especialmente da Ásia. As exportações também são afetadas, mas com menos impacto econômico. O carro-chefe das vendas nacionais são as matérias-primas – soja, café, minério de ferro, petróleo, etc. –, transportadas em navios graneleiros, sem contêineres. Além disso, geralmente, o custo do frete dessas matérias-primas fica com os importadores.
Fonte: Estadão