O cenário global de escassez de navios e contêineres para exportação e a disparada dos fretes marítimos estão deixando um gosto amargo de oportunidade perdida para o agronegócio brasileiro. Embora o país esteja batendo recordes de faturamento nas vendas ao exterior, a sensação do setor é de que os números poderiam ser melhores. Para exportadores e operadores portuários ouvidos pelo Valor, a situação não deverá melhorar antes do ano que vem.
“É complicado falar em aperto \logístico] ou reclamar quando estamos batendo recordes. Mas o que a gente vê é que poderia, sim, ser bem melhor, e isso significaria também mais divisas para o país”, afirma Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), entidade que representa empresas como BRF, Seara (JBS) e Aurora.
Em julho, as exportações do agronegócio brasileiro alcançaram US$ 11,3 bilhões, 15,8% mais que no mesmo mês de 2020 - os embarques nunca haviam superado US$ 10 bilhões em julho. Mas esse crescimento refletiu sobretudo o aumento de preços dos produtos exportados, já que os volumes caíram 9,9%.
Estimativa do Conselho dos Exportadores de Café (Cecafé) aponta que, entre maio e julho, o segmento deixou de embarcar, por causa do problema logístico, cerca de 3 milhões de sacas, ou US$ 445 milhões (considerando valores médios). “Em abril, a taxa de rolagem \[adiamento] dos embarques era de 20%. Em julho, foi para 40%, e agora, em agosto, estamos perto de 50%”, afirma o diretor técnico da associação, Eduardo Heron Santos.
Na área de carnes, a situação não é diferente. Em seus balanços do segundo trimestre, JBS e Marfrig relataram um pouco do reflexo do problema logístico. Na Marfrig, a escassez de contêineres atrasou exportações e tirou 2 pontos percentuais de seu lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês), com aumento dos estoques de R$ 700 milhões.
Já a JBS relatou um impacto de R$ 3 bilhões provocado pelo aumento de estoques, um efeito colateral do apagão de contêineres. Se não fosse isso, seu lucro trimestral de R$ 4,4 bilhões poderia ter sido ainda melhor, afirmou a empresa ao Pipeline, site de negócios do Valor.
“Num momento propício \[para mais vendas], temos esse limitante”, reforça Antônio Camardelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).
Para a sucroalcooleira Jalles Machado, o transtorno deverá ser de curto prazo. Em conversa com investidores, o CFO Rodrigo Siqueira disse que a falta de contêineres afetou os embarques de açúcar orgânico da empresa para os EUA entre abril e junho, e que o gargalo deverá perdurar até setembro.Ele observou, ainda, que os fretes marítimos aumentaram cerca de cinco vezes no período - mas que, ainda assim, essa deve ser uma “questão pontual” no resultado da empresa.
A sombra paira também sobre o exportador do arroz. O alto custo dos fretes e a falta de contêineres fizeram o preço médio do transporte marítimo subir 217% em agosto na comparação com maio, com picos de até 450%, de acordo com levantamento da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz). Segundo a entidade, esse cenário gerou perdas de R$ 36,4 milhões para o segmento no primeiro semestre deste ano.
Para a segunda metade de 2021, a perspectiva não é muito melhor, afirma a Maersk, maior armadora de contêineres do planeta. Ao Valor, a empresa disse que fechamentos de portos na Ásia por conta da pandemia (como o de Ningbo, na China) prejudicou a produtividade do serviço logístico.
Além disso, a recuperação econômica nos EUA e na Europa tem aumentado a demanda por navios e, consequentemente, também a busca por contêineres. “Temos um congestionamento logístico no comércio marítimo global que deve durar até 2022. Com isso, os fretes e congestionamentos devem se manter neste segundo semestre”, acrescenta, em nota.
Arnaldo Calbucci, vice-presidente de operações da empresa de logística portuária Wilson Sons, lembra que além da dificuldade nos embarques há também atrasos na importação de itens importantes para o produtor rural, como os fertilizantes.
Fonte: [Valor Econômico
29/11/2024
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