Não bastasse a preocupação com a logística do escoamento da safra de grãos do campo até o porto ou o custo e a disponibilidade de fertilizantes diante da guerra na Ucrânia, os produtores rurais enfrentam uma outra dor de cabeça: como fazer a armazenagem da colheita para poder vendê-la em um momento mais oportuno.
Estudo feito pela empresa de soluções pós-colheita Kepler Weber mostra que o país não tem onde guardar cerca de 97 milhões de toneladas de grãos, o que corresponde a 36,5% da atual previsão de safra, estimada em 265,7 milhões de toneladas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Apenas 14% das fazendas têm silos para armazenagem. No Canadá, esse percentual é de 85%; nos EUA, 65% e na Argentina, 40%. Um agravante no Brasil é que a maioria dos armazéns está localizada em centros urbanos, próximos aos portos. “Canadá e EUA têm safras mais concentradas. No inverno para tudo”, diz o analista de agronegócio do Itaú BBA, César Castro.
Os impactos do déficit de armazenagem para o produtor
O déficit de armazenagem é um cenário que deixa o produtor em situação mais vulnerável e aumenta os custos de produção. Segundo a assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Elisangela Pereira Lopes, isto reduz a autonomia do produtor rural frente à produção. “Ele terá de escoar o produto, por falta de lugar para guardar, quando poderia enviar em momento mais oportuno.”
A assessora aponta que esse déficit de armazenagem implica em um “transporte forçado para o produtor” e pressiona a cadeia de escoamento de produção. “Observa-se aumento de demanda por caminhões, elevação com custo de fretes, sobrecarrega das estradas. Motoristas precisam cumprir prazos, o que aumenta risco de acidentes, de perda de carga.”
Castro afirma que, com armazéns mais próximos, o produtor rural poderia ter mais lucratividade: “Não fica estragando o grão, nem perdendo na estrada”. Ele passa a ter a possibilidade de vender em um momento melhor, como na entressafra, destaca.
Elisangela, da CNA, lembra que a estrutura portuária também é prejudicada, e para amenizar o problema, no pico da safra são traçadas estratégias para evitar filas de caminhões e aumento de custos operacionais. “Elas nem sempre funcionam e resultam em prejuízos para a cadeia produtiva”, diz.
Rápido crescimento da safra contribuiu para expandir déficit de armazenagem
Um dos fatores que contribuiu para a expansão do déficit foi o rápido crescimento da produção agrícola na última década. A safra colhida passou de 188,7 milhões de toneladas em 2012 para 253,2 milhões em 2021, apontam dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo o analista do Itaú BBA, a expressiva expansão da produção deveu-se ao aumento da demanda chinesa, à incorporação de novas tecnologias no campo e ao empreendedorismo, entre outras razões.
Outro fator que contribui para o cenário de déficit de armazenagem, segundo Adiemir Hortega Medeiros, gerente-sênior de consultoria para operações em supply chain da EY, é a falta de políticas de financiamento mais amplas para o setor agrícola. “O produtor rural também acaba dando prioridade ao financiamento do custeio.”
Países como Estados Unidos e Canadá contam com outras vantagens, diz: “Eles têm um agrobusiness mais subsidiado, com políticas locais e oferta de crédito para linhas específicas e taxas em conta. No Brasil não há isso”.
No início da década de 1980, o déficit de armazenagem era de 10 milhões de toneladas, o que correspondia a 20% da produção. O problema começou a se acentuar nos anos 2000, quando houve a expansão da produção no Centro-Norte do país.
“Isso, combinado ao desempenho cada vez maior do agro nas regiões de novas fronteiras agrícolas, aumentou a necessidade de elevar a oferta de armazéns”, afirma a assessora da CNA.
Segundo ela, ao mesmo tempo, a falta de recursos públicos para grandes investimentos impossibilitou que a infraestrutura de armazenagem e de escoamento avançasse no mesmo ritmo que a produção e acompanhasse o recorde da safra de grãos.
Problema de armazenagem é maior nas novas fronteiras agrícolas
O problema é maior nas novas fronteiras agrícolas, aponta a CNA. Os estados em que há maior potencial de crescimento na próxima década, como a região do Matopiba – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – mais Pará e Mato Grosso são os que têm déficit de armazenagem. No Mato Grosso é de 46,5%, chegando a 55,4% em Tocantins, segundo a CNA.
Castro lembra que, em geral, a infraestrutura nessas regiões é mais problemática, mas no caso da estocagem, conta com armazéns mais novos.
Hortega, da EY, aponta que em regiões como Goiás e Maranhão, a agricultura é altamente empresarial, com escala para soja e milho, não é verticalizada, nem cooperada. “Há uma integração maior com as tradings.” São também, segundo ele, áreas em que os investimentos na expansão da fronteira agrícola ainda não foram amortizados.
Alternativas para combater o déficit de armazenagem
Para Elisangela, da CNA, um rearranjo na infraestrutura, com armazéns mais próximos das unidades produtivas, seria o cenário ideal. “É necessário aumentar a oferta de armazenagem no país, especialmente nas regiões de novas fronteiras agrícolas. O déficit impõe que sejam estudados mecanismos para aumentar a capacidade estática e melhorar a eficiência do parque armazenador já existente.”
Ela aponta algumas formas de como se pode fazer isso:
Incentivar a construção de estruturas de armazenagem, especialmente em fazendas;
Mapeadas as regiões onde o déficit de armazéns é mais latente, é importante aprimorar as políticas de financiamento, com a finalidade de ofertar aos produtores melhores condições para ter seus próprios armazéns (linhas de créditos mais atrativas são fundamentais); e
Para os armazéns existentes, há de se melhorar, por exemplo, a sua estrutura e operacionalização, bem como investir na qualificação do pessoal.
Segundo a CNA, faltam recursos públicos para a implantação de armazéns. No âmbito do plano agrícola, as contratações por meio do programa para a construção de armazéns (PCA), que conta com recursos do BNDES, se esgotaram logo no primeiro mês do Plano Safra 2021/2022.
A confederação tem trabalhado na prospecção de fontes alternativas de recursos para essa finalidade, como os Fiagros, uma vez que o BNDES não tem condições de atender toda a demanda do setor.
Outro desafio para o produtor rural, segundo Castro, é o enquadramento nas exigências para conseguir o empréstimo. “Uma coisa é ter o recurso, outra é ter as condições necessárias para poder pegar.”
O aumento nos juros tem sido um inibidor para um maior investimento na construção de armazéns, aponta o especialista do Itaú BBA. A taxa média das operações de crédito rural, segundo o Banco Central, passou de 5,37% ao ano, em março de 2021, quando começou o ciclo de alta da Selic, para 8,23% em janeiro de 2022. O custo das operações de financiamento agroindustrial com recursos do BNDES passaram de 7,46% para 8,92% ao ano.
Uma alternativas para o armazenamento convencional são os "silos bags" e instalações de condomínios de armazéns, que são espaços coletivos gerenciados por grupos formados pelos próprios agricultores. E geralmente, grande parte das obras é financiada por programas de crédito e bancos privados.
Silos bags são estruturas com capacidade para armazenar de 180 a 250 toneladas por unidade e garantem a conservação dos grãos por 18 meses. O equipamento tem uma durabilidade de aproximadamente dez anos. “É uma solução complementar, não estrutural”, diz Hortega.
Outra opção, segundo o especialista em supply chain da EY, seria trabalhar com uma maior sincronia na cadeia logística, do produtor até o porto. “Isto demandaria mais investimentos em inovação digital, que atualmente estão mais focados em agricultura de precisão, sementes e insumos.
Fonte: Gazeta do Povo