A empresa que comprar os Correios no leilão que o governo espera realizar em abril terá que obrigatoriamente assumir a concessão dos serviços postais universais. Essa exigência foi a saída encontrada pelo Executivo para manter o serviço em todas as regiões do país, uma obrigação constitucional, sem a necessidade de aportes do Tesouro, pelo menos enquanto durar a concessão, cujo prazo de duração o governo só deve definir após a aprovação pelo Congresso.
A exigência é comparada a concessão dos serviços de telecomunicações dos anos 1990, quando as empresas que assumiram levaram junto a obrigação de manter uma rede de orelhões pelo país. “O comprador dos Correios levará todos os ativos, a rede de logística incrível e capilarizada, mas terá que assumir o ônus. Leva o filé e o osso”, afirma o diretor de Concessões e Privatizações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Fábio Abrahão.
Essa saída deve afetar o preço de venda da empresa e pode afastar parte dos interessados porque será preciso manter estrutura própria ou terceirizada em todo o país para entregar os serviços postais universais (cartas, impressos, encomendas não urgentes e telegrama), um mercado que está em declínio: a receita da estatal com esses serviços caiu 40% entre 2015 e 2019.
O período da concessão ainda será decidido, mas a compradora pode acabar aliviada dessas despesas rapidamente: o projeto prevê que a cada cinco anos após a publicação da lei o Executivo revisará quais atividades estariam enquadradas como serviço postal universal de acordo com a “essencialidade” delas. Isso dependerá apenas de um ato do Executivo, com base em relatório da agência reguladora, sem precisar de aval do Congresso.
Presidente dos Correios no governo Michel Temer, Guilherme Campos conta que foi procurado pela Amazon na época para saber sobre a chance de venda da estatal, mas diz que as grandes empresas do setor já estão estabelecidas nos centros consumidores e têm dúvida se querem operar “no osso do mercado”. “Quem comprar os Correios será a maior do mercado, é um grande ativo, mas no campo das encomendas a concorrência está estabelecida e é forte”, afirmou.
Um estudo encomendado pelo BNDES a consultorias e finalizado em março indicou formas de financiar a universalização dos serviços após a privatização dos Correios: o subsídio com dinheiro público; a manutenção do monopólio; a concessão de isenções tributárias para o concessionário (que já é um direito da estatal); e um fundo privado.
O documento apontou dificuldades em financiar o fundo privado e em aumentar os gastos públicos. A sugestão foi manter o monopólio sobre os serviços postais e a isenção tributária, mas mais estudos precisariam ser feitos para saber os custos disso.
O problema, segundo o documento, é que os dois mecanismos podem não ser suficientes. A imunidade tributária estaria limitada aos impostos federais e poderia ser questionada por colocar outros operadores em desvantagem. Já o monopólio permitiria subsídio cruzado entre regiões superavitárias e deficitárias, mas seria sobre um mercado em declínio.
Relator do projeto na Câmara, o deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA) apresentou um parecer apenas para os partidos governistas e contraria parte dessas premissas. Os Correios privatizados só manteriam o monopólio sobre os serviços postais universais por três a cinco anos.
Depois o mercado seria aberto para qualquer empresa - e as que estão fora da concessão poderão focar a atuação nas cidades rentáveis, hoje menos de 400 das 5,5 mil que a empresa privatizada será obrigada a atender.
Vice-presidente de assuntos postais da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), Antônio Juliani elogia o fim do monopólio postal. “O projeto de lei estava horrível para o mercado, abria a possibilidade de aumentar o monopólio para outros objetos, mas o parecer restringiu isso”, disse.
O parecer deixou em aberto a possibilidade de concessão de imunidade tributária para a nova empresa e vedou a “concessão patrocinada”, ou seja, o serviço não poderá ser bancado com aportes do Tesouro. As tarifas postais serão reguladas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e acabaria a regra de um custo único para enviar cartas para qualquer lugar do país - os preços poderão ser diferentes por região e distância.
O projeto de privatização entrará na fase de votação na Câmara nesta semana ainda com muitas incertezas entre especialistas. Os estudos técnicos só serão concluídos após o Congresso decidir se dá aval ou não a operação, mas no BNDES isso é visto como normal, já que seria necessário adaptar o modelo a lei aprovada. O Valor procurou o relator, mas ele não quis dar entrevista.
Para o ex-ministro da Infraestrutura João Santana, o projeto ainda está “muito enevoado” e parece feito às pressas para que o governo possa mostrar alguma privatização, mas que a escolha não é a melhor. “Os Estados Unidos não privatizaram os Correios, e lá eles têm sucessivos déficits bancados pelo governo, porque tem o entendimento de manter a rede logística", afirmou.
O calendário do BNDES prevê que a aprovação por deputados e senadores teria que ocorrer ainda em agosto para que a proposta seja modelada e submetida ao Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) em dezembro. O Tribunal de Contas da União (TCU) julgaria até março e o leilão ocorreria em abril. A principal definição no governo, e acolhida pelo relator, é vender 100% da empresa de uma vez, sem dividi-la nem manter ações.
Já uma das maiores dúvidas sobre a viabilidade da operação é jurídica. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2005 que o serviço postal é um serviço público e deve ser prestado pela União. “Discordo e acho que a Constituição obriga a União a manter o serviço postal, mas por qualquer meio. Mas, a prevalecer o entendimento do Supremo, há realmente dúvida sobre se pode admitir a exploração como previsto no PL”, diz o advogado Fernando Vernalha.
A Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap) já entrou com ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no STF para suspender a operação. O processo está sob relatoria da ministra Rosa Weber. O procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou contra a privatização dos serviços.
Vice-presidente da Adcap, Marcos César afirma que a experiência internacional aponta no caminho aposto ao do que deseja o governo brasileira: os Correios são uma pública em todas as 20 maiores nações do mundo em extensão e, de 195 países, apenas oito têm o serviço totalmente privado. “Nem no setor há pressão por privatização. Os grandes players só estão preocupados e de olho no negócio para evitar que a maior rede de logística do país seja comprada por um concorrente”, afirmou.
Fonte: Valor Econômico
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