A crescente hostilidade no Mar Vermelho está forçando transportadoras globais a realizar viagens mais custosas e aumentando a pressão sobre empresas para revisarem suas cadeias de suprimentos e se prepararem para uma nova “normalidade” caracterizada por distâncias de transporte mais longas.
“Será necessário ao mercado se ajustar a tempos de trânsito mais longos. Para todos que dependem do comércio em contêineres, isso significa que as cadeias de suprimentos têm que se ajustar”, disse Peter Tirschwell, vice-presidente da S&P Global Market Intelligence. “Isso implica em aceleração no planejamento, aceleração na fabricação. Isso significa um comprometimento maior de capital de giro em estoques.”
Ele avalia que o processo de adaptação das empresas à “nova realidade” levará mais alguns meses, assumindo que as hostilidades continuem no Oriente Médio.
Também o mercado de petróleo pode ter de rever sua avaliação de riscos depois de um ataque com mísseis a um petroleiro que transportava combustível russo pelo Golfo de Aden, na sexta. Até então, esse mercado se mostrava em grande parte imune a meses de ataques de militantes houthis.
As imagens do Marlin Luanda, navegando em nome do Trafigura Group, em chamas após ser atingido por um míssil significa que uma parte maior dos 3 milhões de barris diários de petróleo e combustível russos que fluíam pelo Mar Vermelho em direção à Ásia pode estar em risco. Os volumes russos são importantes para o mercado global, apesar das sanções impostas devido à guerra de Moscou contra a Ucrânia.
A rota pelo Mar Vermelho e pelo Canal de Suez é vital para o transporte de mercadorias entre a Ásia e a Europa. O risco aumentou desde novembro, quando militantes houthis apoiados pelo Irã começaram a atacar navios de contêineres no Mar Vermelho, seguidos por ataques retaliatórios dos EUA e do Reino Unido no início deste mês.
Segundo a Clarksons, cerca de 90% dos navios de contêineres que navegavam pelo Mar Vermelho foram forçados a desviar da rota comercial crucial desde meados de dezembro. Empresas globais de navegação, como a dinamarquesa AP Moller-Maersk e a alemã Hapag-Lloyd estão entre aquelas que decidiram evitar a rota.
“Nossos navios, que costumavam passar pelo Mar Vermelho, estão permanecendo em águas mais seguras ou mudando para rotas, como o contorno do Cabo da Boa Esperança”, disse a Nippon Yusen (NYK Line), maior empresa de navegação japonesa e operadora de um navio apreendido pelos houthis no Mar Vermelho após o início da guerra Israel-Hamas.
Segundo Emily Stromquist, diretora-gerente da consultoria Teneo, o desvio contornando a África pode adicionar até duas semanas ao tempo de transporte entre a Ásia e a Europa. “Além dos custos adicionados e do tempo de transporte ao redor do Cabo da Boa Esperança, quanto mais o tráfego de contêineres e tanques é redirecionado ao longo desta rota, maiores são as preocupações logísticas também”, disse Stromquist.
“Há capacidade portuária insuficiente para lidar com esse volume de atividade de navegação, e o risco de escassez de combustível naval poderia criar gargalos adicionais ao longo da rota”, disse ela.
As taxas de frete marítimo da Ásia para a Europa estão aumentando rapidamente. O Índice de Frete em Contêiner de Xangai estava em 2.239 pontos em 21 de janeiro, o dobro do nível de meados de dezembro.
As interrupções no transporte estão afetando a fabricação global. A Tesla e a Volvo Car disseram anteriormente que estavam suspendendo parte da produção na Europa devido à falta de componentes após muitos navios serem desviados ao redor do sul da África.
Segundo um analista, cerca de 70% dos componentes do setor automotivo europeu importados da Ásia passam pelo Mar Vermelho.
A Suzuki Motor do Japão também suspendeu a produção em uma fábrica de carros na Hungria por sete dias até 21 de janeiro devido a atrasos na entrega de motores e outras peças do Japão.
Na Espanha, a Associação de Empresas de Manufatura e Distribuição anunciou que vários setores fizeram pedidos antecipados de certas matérias-primas e produtos, como móveis e têxteis, para os quais estão enfrentando dificuldades de fornecimento.
Os tempos de navegação prolongados de muitos navios resultaram em escassez temporária de navios e contêineres. “Como resultado, há atrasos não só para navios da Ásia para a Europa, mas também para navios da China para o Sudeste Asiático e outros lugares”, disse Takuma Matsuda, professor de economia marítima na Universidade Takushoku, em Tóquio.
As tarifas de frete aéreo também estão subindo devido à crescente demanda para mudar do transporte marítimo para o transporte aéreo, que é mais caro, mas mais rápido. A Xeneta, serviço de análise de mercado de frete, relatou em 19 de janeiro que os volumes de carga aérea do Vietnã para a Europa - uma rota comercial importante para roupas - aumentaram 62% na semana encerrada em 14 de janeiro.
“Começamos a receber pedidos de carga do Japão para a Europa e a costa leste da América do Norte, mudando do transporte marítimo para o transporte aéreo”, segundo a All Nippon Airways do Japão.
Algumas transportadoras ainda mantêm jornadas arriscadas pelo Mar Vermelho. O grupo de navegação francês CMA CGM decidiu continuar navegando pelas águas conturbadas sob a proteção da marinha francesa.
A Pacific International Lines, sediada em Cingapura, a maior transportadora do Sudeste Asiático, disse na terça: “Estamos mantendo nossos serviços no Mar Vermelho com medidas de segurança aprimoradas e mantendo contato constante com nossos navios”.
Mas no cenário mais amplo as interrupções no transporte servem como um lembrete de que as cadeias de abastecimento globais estão sujeitas a riscos inesperados.
Sem sinais de que a situação se acalme, a União Europeia concordou, em princípio, enviar navios para o Mar Vermelho para proteger embarcações comerciais contra ataques. Países asiáticos, como Cingapura, também anunciaram participação na operação para garantir a rota marítima.
“As cadeias de abastecimento de longa distância agora são mais arriscadas do que eram”, disse Tirschwell, citando vários fatores como geopolítica, saúde pública e clima. As empresas podem precisar ter de tomar decisões estratégicas de longo prazo além de ajustes de envio e abastecimento em curto prazo, acrescentou.
Fonte: Valor Econômico