Por José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP
Na matemática, a singularidade é um tipo de anomalia, ou exceção, talvez mesmo uma aberração. O exemplo mais banal resulta da divisão, por zero, do número um. Operação que leva a algo bem difícil de se imaginar: o infinito.
Tal noção mostrou-se extremamente útil quando a cosmologia precisou apontar a fonte do Big Bang e o centro de um buraco negro. Duas conjecturas das mais abstratas, mas que foram bem difundidas por Stephen W. Hawking, em seu ultrabest-seller “Uma breve história do tempo”, lançado em 1988.
Só que, uns 30 anos antes, o grande teórico John von Neumann (1903-1957) já usara o mesmíssimo termo para se referir ao inverso, o futuro. Para ele, as questões humanas, como as conhecemos, teriam que ser subvertidas, pois a sempre maior aceleração do progresso tecnológico estaria indicando a aproximação de alguma “singularidade essencial”.
Foi neste sentido - de singularidade tecnológica, em vez de gravitacional - que a ideia passou a ser mais adotada. Desde 1993, pelo tino do cientista da computação Vernor Vinge, e de forma espetacular, a partir de 2005, com o lançamento do livro “A singularidade está próxima - quando os humanos transcendem a biologia”, de seu colega Ray Kurzweil (Iluminuras, 2018).
Não se sabia, mas idêntica reflexão vinha sendo desenvolvida por vários outros físicos, sobretudo na Rússia. E não poderia ter demorado para que o tema também entrasse na agenda dos acadêmicos adeptos da “Big History”, fundadores, em 2010, da Associação Internacional da Grande História (IBHA).
Pois é de tão peculiar nicho científico que emerge, pela Springer, a parruda coletânea “The 21st Century Singularity and Global Futures - A Big History Perspective”, editada por Andrey V. Korotayev e David J. LePoire.
Seus 25 autores, de amplo leque de disciplinas, concordam em vislumbrar um momento de inflexão, em meados deste século, a partir do qual é bem provável que as questões humanas deixem mesmo de ser como as conhecemos. Mas também mostram não haver qualquer consenso sobre o significado, consequências e mais prováveis impactos civilizacionais do fenômeno.
Entre as muitas divergências expostas, a que mais precisa ser conhecida incide sobre a própria análise da aceleração do progresso tecnológico e de suas inerentes dimensões socioeconômicas.
Kurzweil qualifica tais evoluções de “exponenciais”, embora também deixe escapar, em vários momentos, que parecem ter sido mais do que isto, movimentos “duplo exponenciais”. Vai além ao esmiuçar o que entende por “Lei dos Retornos Acelerados”, induzindo o leitor a pensar que certas mudanças evolutivas mais recentes estejam sendo superexponenciais ou hiperbólicas.
O problema é que isso não foi confirmado pelo crescimento da população mundial. Lá no início, ele pode ter sido exponencial, e, mais tarde, chegou a ser superexponencial, ou hiperbólico. Mas a desaceleração das últimas décadas revela uma inflexão e passagem para o que seria uma espécie de “maturidade”.
Esse tipo de evolução, cuja melhor representação gráfica é uma espécie de “S” deitado, corresponde ao que, na matemática, é uma curva “logística” ou “sigmoide”. Por extensão, pode-se supor que muitos outros fenômenos - a começar pelo progresso tecnológico - também venham a sofrer desaceleração, e até estabilização, em posterior etapa de crescimento. Por mais que, neste momento, estejam sendo vertiginosos.
É por esse motivo que os dois editores da coletânea, assim como vários dos demais autores, preferem se distanciar dos “singularistas”, apelido dado aos seguidores de Kurzweil. Salientam a hipótese de madura atenuação.
Tal hipótese não impede que venha a ocorrer a singularidade evocada por John von Neumann. A diferença é que, depois, a humanidade viria a abrandar sua evolução social, em vez de intensificar a disparada avistada por Kurzweil.
Outra dimensão da coletânea, merecedora de muita atenção, está no vínculo, estabelecido por alguns autores, com movimento cultural ainda pouco conhecido: o “transhumanismo”.
Para seu principal líder, o filósofo Nick Bostrom, trata-se de afirmar a possibilidade de melhorar a condição humana pelo desenvolvimento e disponibilização das tecnologias que mais poderão turbinar nossas capacidades intelectuais, físicas e psicológicas. Inclusive a possibilidade de criarmos o que ele chama de “superinteligência”, mediante máquinas mais argutas do que nós.
Tudo isso pode parecer por demais estratosférico ou fictício, mas não deixa de ser uma séria ponderação sobre o cerne da grande utopia deste século, o desenvolvimento sustentável. Afinal, para que a recente aventura civilizadora continue compatível com as condições naturais que a geraram, com certeza será imprescindível alguma profunda mudança evolutiva, ainda neste século. A grande dúvida é se esse fim do Antropoceno será frenético, como querem os singularistas, ou relaxante, como preveem seus críticos.\
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Fonte: Valor Econômico
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